terça-feira, 18 de março de 2008

repugnância

Quando Enzo se aproximou da garota sem nome e sem história, com seus seios de pêra explodindo a blusa justa de corte moderno - desejo infantil de se diferenciar de sua retrógrada mãe - apenas pensava no gosto daquela língua sedenta e na consistência de seus lábios falsamente carnudos, realçados com gosma industrializada. Enzo sacolejava o corpo tentando fazê-lo encontrar alguma harmonia com a música que tanto conhecia, que tantas vezes já tinha massacrado sua cabeça e que por inúmeras oportunidades havia exprimido suas alegrias.

Sinuosamente alcançou a proximidade necessária da anônima. Ainda não havia colado seu corpo no dela, mas já pressentia o roçar dos corpos e amaldiçoava as roupas como sutis barreiras aos instintos primordiais. Olhava-a fixamente e seduzia-a falsamente. Sentia que não havia momento melhor do que aquele que vivia: corpos sem nome, música que ativava suas reminiscências e iminência de beijo.

Sorria sensualmente ele - Enzo - com sua boca de dragão flamejante, ávida por engolir o ser daquela anônima. Ela, inflava ainda mais os lábios sem carne, conduzia-o em uma dança sem fim, sugavo-o em uma espiral que não terminava - da qual era o sedutor centro - rumo a seus lábios, rumo à sua boca, rumo à sua alcova.

E a música prosseguia com mais ênfase do que nunca. As batidas, os instrumentos, a melodia, tudo conspirava a um só momento perfeito, do qual eram apenas uma preparação: primeiro o roçar dos corpos, depois os olhares diretos e cruzados, e por fim, o beijo que iria fazê-los ter a falsa e sedutora sensação de serem um sendo dois.

Mas Enzo foi vítima e autor de outros planos. O desígnio do acaso, ou se preferirem, a intensidade da manifestação do inconsciente, capaz de transformar o mundo prático, aplicou-lhe uma bela rasteira: se a música era boa e conduzia ao sublime momento do beijo e dos corpos em choque e, se os lábios carnudos - mas sem carne - e brilhantes daquela anônima de corpo sem nome, se tudo, absolutamente tudo, estava encadeado como os elos de uma corrente, rumo ao momento perfeito, rumo ao ápice da noite, então não havia, como de fato não houve, qualquer explicação possível para o lamentável episódio que se seguiu.

Um jato de vômito pesado e denso, cravejado dos mais diversos pedaços de alimentos das últimas horas, perfumado com o mais acre odor de digestão inconclusa, voou diretamente em movimento retilíneo para o delicado rosto da garota sem nome. Escorreu de sua fronte rumo aos lábios que seriam beijados, apagou a gosma de indústria que lambuzava seus lábios pretensamente carnudos. Manchou sua roupa. Melou seus seios de pêra agora apodrecida.

Enzo nada compreendeu. Apenas vomitou. A música sinistramente se interrompeu e o caminho para o sublime momento se sujou. Não houve perdão ou desculpa. Enzo se corou de vergonha, o sangue lhe inflou a face, corou de tinta aquele homem que se julgava decidido.

Ele havia vomitado. E vomitou no rosto da garota que pretendia beijar. A noite acabou para Enzo e para a garota e mais uma vez o amor se frustrou.

2 comentários:

Anônimo disse...

Já me aconteceu, quase igual, não foi no rosto da garota, mas nos pés... Esse é de longe o mais bem escrito, bravo rapaz!

Anônimo disse...

Eu achei demais. glayds