segunda-feira, 14 de julho de 2008

Que se fodam meus joelhos doloridos e minha perna lesionada.
O que me importava unicamente era pisar com toda minha força na areia granulada, sentindo meus pés descalços afundarem naquela massa bege e compacta violentada pelo meu peso.

Que se fodam, também, minhas costas avermelhadas como sangue e o ardor provocado pelas roupas que a todo tempo as roçam. Nada mais era importante além do sol que me queimava deliberadamente o couro, desprovido de proteção, sem qualquer pudor.

Que se fodam meus pulmões. Colocá-los a todo limite e atingir o grau de quase inconsciência provocado pelo incessante arfar nada mais era do que um doce exercício solitário em meio a tantas pessoas.

Que se foda essa chama interna do corpo que sempre fraqueja. Corri com sorrisos solitários em direção à mais gélida água falsamente aquecida pelo sol de inverno. Gritei a plenos pulmões enquanto meu peito, minhas nádegas, meu abdômem e meu pescoço eram irremediavelmente envolvidos pelo cobertor fluido e sedutor que era a água.

Que se fodam todas as mágoas.
Todas as tristezas.
Todas as lágrimas que molham o deserto.
Ontem eu era corpo que sorria.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Definindo-se em "não ato"

(acredite ! superada a chatice dos primeiros parágrafos, talvez depois fique engraçadinho)
Quem conhece um pouco da filosofia de Sartre, ou mesmo suas obras literárias, certamente deve ter sentido - ainda que não compreendido - o peso do bloco fundamental para a compreensão dos principais temas sartrianos, que é a noção da responsabilidade do homem na construção de si mesmo.
Segundo Sartre, não existindo uma natureza humana que anteceda a existência do homem (expresso como "a existência precede a essência"), este nada é ao nascer, só vindo a ser alguma coisa, conforme aquilo que ele próprio vier a escolher para si mesmo. Nesse sentido, são seus atos que conferem a própria essência que o definirá.
Nessa linha, o homem não nasce bom, corajoso, malvado ou covarde. Mas faz-se assim a todo instante, conforme as escolhas que forem efetuadas, nas situações concretas efetivamente vividas, assumindo assim uma essência de homem que se faz bom, corajoso, malvado ou covarde.
Evidentemente, ao afirmar a inexistência de uma natureza humana anterior à existência do próprio homem, a filosofia de Sartre dispensa a figura e o papel de Deus como regente do mundo e dos homens.
Sendo o homem lançado em um mundo de contingências absolutas, apenas e tão somente a ele cabe o peso e a responsabilidade (no que lhe é efeito causal imediato, a angústia) de construir a si mesmo.
Em nossas vidas, no estado atual, somos capazes de identificar a relação causa e efeito entre o que somos hoje e as escolhas que fizemos no passado ? Não se trata de buscar relação de causa e efeito para eventos que são essencialmente contingentes (ter nascido no Brasil e não em outro lugar; ser proveniente dessa família e não daquela; ter nascido nessa classe social e não em outra), mas sim buscar enxergar que efetivamente aquilo que nos define hoje é consequência de nossas escolhas, e são estas escolhas mediadas pelos atos que praticamos, que definem nossa essência, ou nossa "natureza humana".
Porém, aqui vai um pensamento que está, não exatamente na contramão da filosofia sartriana, mas sim que expõe o mesmo ponto (o homem escolhe a si mesmo) sob uma outra perspectiva.
As escolhas sobre determinadas coisas que fizemos, e que depois as abandonamos, também podem, de alguma forma, terem o papel de definidoras de nossa essência, também como frutos de escolhas livres.
Exercitar esse outro lado da filosofia existencialista pode chegar a se tornar um exercício cômico, desde que feito com sinceridade. Lembra-se daquele projeto de aprender a surfar depois de velho ? Lembra-se das aulas de dança que você frequentou por três vezes e depois nunca mais teve coragem de voltar ? E sobre os montes e montes de páginas ou desenhos guardados dentro da gaveta, como sinal da desistência em ser escritor ou desenhista ?
Tal como revelar um sonho consistente a alguém, eis-me o que eu poderia ter sido e não fui, no que se poderá concluir também o que sou:
* músico (aulas e aulas de violão e guitarra para nada)
* praticante antigo de kung-fu (não nasci para ser louva-deus, águia, tigre ou bêbado)
* jornalista (ai se eu tivesse me matriculado na PUC...)
* escritor (ainda é tempo de queimar as folhas antes que alguém as encontre após minha morte)
* membro de torcida organizada (eu ansiava usar aquela blusa preta da Gaviões, aos meus 14 ou
15 anos de idade)
* homem bonito (tá.... a feiúra é pura contingência. Culpa de Deus)
* membro da fanfarra da escola (ao menos fiquei com o bico da corneta em casa, modo que o professor encontrou de me deixar longe dos ensaios)
* cristão (minha mãe bem que tentou....boníssima alma)
* fluente em latim
* membro do Partido Comunista do Brasil (cheguei a pegar a ficha de inscrição, mas a devo ter perdido em algum lugar, pois no mesmo dia comprei o Castlevania IV, do Super Nintendo)
* programador de computador (o que eu fazia nos intervalos das aulas eu não posso contar mas nem morto)
* amigo de padre (mas ele era da Teologia da Libertação, ora !)
* punk (hein ?)
* ser um Dhalsin da yoga (não tem jeito, aquilo de inspirar por uma narina e expirar pela outra, não é para quem só tem uma narina disponível)
* ladrãozinho de supermercado
* ladrãozinho de camisetas brancas no supermercado
* cozinheiro (bem que tentei. Agora acabaram os ingredientes)
* romântico (eu já li e compreendi Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe)
* putão (viver o corpo como receptor sensorial unicamente. Às vezes funcionou, viu ?)
* helênico (gosto de dizer que sou. Mas como, se a contingência me deixou para viver hoje e agora ?)
* viciado em haxixe (bendita hora em que arrancaram aquela segunda rodada da minha mão)
* historiador (caso eu não tivesse decidido ir à praia em vez de ficar estudando para a segunda fase da Fuvest do ano 1954)

Entenderam essa outra perspectiva da filosofia de Sartre ?