terça-feira, 28 de outubro de 2008

i want to believe

Budistas acreditam no desapego.
Comunistas acreditam na história - ente autônomo dotado de vontade própria.
Cristãos acreditam na salvação eterna. E nos pecados.
Racionais acreditam na razão.
Emotivos, por sua vez, na autenticidade e espontaneidade das emoções.
Empregados acreditam em bons salários.
Advogados e juízes acreditam na justiça. Ou ao menos se contentam com a juridicidade da mesma.
Empresários acreditam em si mesmos.
Políticos profissionais acreditam no bem público.
Filósofos acreditam na sabedoria. Ainda que sem o amor.
Músicos acreditam serem capazes de mudar o mundo.
Mas pintores, poetas e escultores, acreditam poder embelezá-lo.
Professores acreditam na educação.
Jornalistas acreditam ser possível alguma comunicação.
Médicos acreditam na saúde.
Coveiros acreditam na morte.
Economistas acreditam piamente em previsões.
Aikidokas acreditam em harmonia.
Assim também os vegetarianos.
Psicólogos e psicanalistas acreditam enxergar luz nas sombras.
Espiritualistas acreditam em transcendências.
Anarquistas acreditam numa - estranha - boa natureza humana.
Já os ecologistas, em uma natureza boa.
Niilistas acreditam na impossibilidade.
Escritores acreditam que algo deve ser dito.
Amantes acreditam na entrega.
E uma boa maioria acredita que tudo está pré-determinado pelos desígnios do além.
Inexoravelmente das crenças nos alimentamos. Um verdadeiro massacre.
Até que um vendaval - seja ela humano ou natural - lambe as crenças e as faz desaparecer subitamente.
Tornamo-nos então céticos.
Para passarmos a acreditar nas dúvidas.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Senta-se.

E suado, escreve, apaga, corrige, relê, interpreta, reescreve, ruboriza, apaga, escreve, odeia, desiste, retoma, café, suor, coceira, tiques, alonga, desiste. Abre o botão da camisa e assopra seu peito, na vã esperança de palavras lhe dominarem os dedos. Quer apenas alívio.

Num só ato contínuo, que se inicia no desespero de nada conseguir escrever que seja relevante...ou melhor... nada de relevâncias !
Algo que seja simplesmente afirmação concreta de um querer dizer que não se manifesta, algo que atravesse a constatação que sangra a obviedade de que embora uma infinidade de coisas precisem ser ditas - nada efetivamente é dito - , não vê outra envergonhada e ultrajante solução que não seja reconhecer que muitas vezes, é melhor desistir de antemão a ter de suportar o angustiante sentimento de alguém que - tal como um intestino repleto de bolo fecal dos dias passados que se contenta apenas com poucos gases borrifados no ar - quer dizer e não encontra meios para tanto.
Melhor seria ser poeta.
Poeta é escravo das palavras e um bom escravo sempre cumpre rigorosamente seu mister.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

sobre o Aikido

Em Setembro de 2003, isso era o que o Aikido me provocava, conforme texto escrito à época, que já pela forma, até mais do que pelo conteúdo, me provoca inegável estranheza:

"Ontem, uma sensação estranha.

Diante de uma figura que exala um conhecimento invejável que busco a todo custo alcançar, mesmo contando com minha mediocridade, senti-me bem por poder simplesmente estar.

Desconstruindo uma espécie de "mito", quebrando expectativas. Nunca me sinto bem ao enxergar dentro de mim essa espécie de devoção a essa cultura e a esse conhecimento que tanto me atrai.

Talvez seja a serenidade que tanto invejo. Talvez seja meu desejo de fortalecer-me de forma inteligente. Talvez eu queira aprender e ter em mim, como raízes fincadas no solo, coisas que jamais poderão ser extraídas... por quem quer que seja...

Não sei até onde vai essa minha fascinação - coisa tão tipicamente ocidental - para as artes e para o modus vivendi da cultura japonesa. Pode ser um traço daquele meu antigo pensamento de que existe, em algum lugar físico ou mental, algo que seja realmente diferente da melancolia e da tristeza do mundo em que vivemos hoje...

E eu então sugo a seiva. Sem saber ao certo para onde busco realmente ir...

Uma mão segurando um copo de chá quente. E a gélida sensação de saudade daquele momento presente que não era ainda o passado, percorreu-me o espírito em movimentos circulares e tão familiares.

Nesse momento, meus olhos se desviaram e tive a certeza de aquele par de olhos riscados notou meu incômodo."

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Ri muito de mim mesmo. Ri tanto, mas tanto que durante todos segundos em que perduraram os risos, toda minha existência não mais fez qualquer sentido reconhecível.

Ora, o que eram todos os meus problemas e frustrações enquantou eu podia simplesmente rir ?

Nada ! A não ser os próprios motivos dos risos. Estranho.

Em alguma parte de mim havia algo que ridiculariza os meus entraves. Sabotava as minhas tristezas. Relevava minhas dificuldades. Desprezava meus medos.

Seriam nesses momentos, os dos risos, em que finalmente deparava-me com minha lucidez ?

Tudo adquirira o sabor do real contorno da verdade... Mas a náusea... Mas a náusea chegou.

Os risos estúpidos silenciaram. A onda assolou-me. O morcego voou sobre mim e suas asas negras - muito maiores do que o próprio - tornaram a noite mais escura do que calabouço.

A náusea é o calafrio. A vontade das lágrimas cortou meus olhos como uma navalha.

Mas então com um só silêncio, tudo mudou !

Os risos cessaram e então não haviam mais motivos para chorar. A rapidez de tudo me constrangeu profundamente.

Guardei meus problemas, meus medos, minhas frustrações e minhas folhas.

Respirei fundo. Prossegui.

Mas eu sei que você volta.