sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A literatura salva e depois abandona

Iniciaram um diálogo rápido mas substancial, daqueles em que não há desperdício de palavras, rodeios ou passos em falso:

"O que é que você tá lendo nesse fim de ano ?", perguntou o nobre gaijin alemão.

Para o que ouviu a seguinte resposta: "hmmm... o mais relevante é que ando lendo os contos da Virginia Woolf. Logo o primeiro trata de duas irmãs que são educadas para o casamento e se deparam, em uma festa, com um outro tipo de mulher, uma mulher que se interessa pela vida, pela política, pelos pensamentos. O amor é apenas mais um departamento, não a loja toda."

"Parece bom realmente. Mas encontrar uma mulher assim também deve ser difícil..."

"Por isso que é vale a pena se refugir em contos... Lá acontece, ué ! Mas me diga, o que é que você está lendo agora ?"

"De relevante mesmo, coisa que tem marcado, é um livro de um escritor alemão contemporâneo. Basicamente é um livro que retrata como ele conseguiu se curar, se libertar, por meio da literatura!"

"Ah é ? Não posso negar que isso é interessante, pois que é real. Mas sempre suspeito de pessoas que se salvam por meio de qualquer coisa... mas...... me fale mais sobre esse alemão !"

"Não sei tanto assim. Mas sabe um cara que tem cerca de trinta anos, que passou por uma história amorosa, ou deveria dizer mesmo uma frustração amorosa, e que ficou tão mal com tudo isso, que resolveu contar sua história ? Pois então, é isso."

"E aí escreveu um livro..."

"É ! Escreveu um livro. A gente pode dizer que o cara se salvou por meio da literatura. E mais do que isso, um monte de gente se reconheceu na história dele, né, e aí o cara ficou conhecido e virou escritor de vez. É aquela coisa de sempre: o amor é tão óbvio que muitos se reconhecem nas histórias alheias."

"É a inevitável obviedade mesmo.... Mas sabe que é uma história encantadora ? Tem lá seu charme, não é? Imagine isso acontecendo comigo !"

O gaijin ironizou o doce sonho do amigo:

"Escritor paulistano que virou escritor porque tomou um pé na bunda da amada. Escreveu tanto mas tanto que várias pessoas igualmente frustradas como ele se enxergaram na história e compraram seu livro."

Rindo, o preterido escritor concordou: "Tem razão ! Mas eu deveria inserir alguns pontos que certamente o alemão desconhece: histórias de família, pecaminosas, sabe ? Nelson Rodrigues, meu caro..."

"Claro ! E aí você seria mais um a se salvar por meio da literatura... ainda que ficasse um pouco sujo com ela também. De toda forma, não é interessante um cara que tem mais ou menos nossa idade fazer isso ?"

"Realmente.... até se questiona se a literatura pode salvar de fato. Logo eu que desconfio de salvamentos... Mas é uma coisa interessante sim...afinal... foi por meio da literatura... Porra, vou confessar vai, é uma história bonita pra caralho. Esse alemão poderia ter se matado, virado crente, louco, sei lá. Mas objetivou sua história, elaborou suas frustrações e criou algo..."

"Sim...Há um mérito do cara... 'Salvar-se !' Não é para todo mundo..."

E antes que encerrassem a conversa, lembrou-se de um detalhe importante que havia lhe escapado à mente:

"Porra ! Já tava esquecendo. Não foi só a literatura, não ! Na mesma época que ele escreveu o livro, já estava com uma outra mulher também, coisa forte e tal..."

"Ah é ? Caralho... Você não deveria me dizer isso ! Quer dizer então que o filho da puta escreveu, tá certo, mas ao mesmo tempo ele já estava amando de novo ? Já tinha outra mulher... é isso ?"

"É isso aí..."

"Só vou dizer uma coisa, tá ? Vai tomar no cú ! Ninguém se salva é porra nenhuma ! Ah ! E foda-se a literatura também !"

Rindo muito, o gaijin construiu e descontruiu impunemente um sonho que não deveria jamais ter se esboçado naquela frágil criatura !

Despediram-se e foram embora. Decerto se sentiram mais leves - mesmo que mais frustrados - pois largaram a tal da literatura lá no chão.

Carregar peso?

Jamais !

3 comentários:

Lúcia disse...

Eita, Arekusu, fantástico! hehehehe... Ainda mais sabendo qual a fonte de tudo isso... ;-)

Adorei!

Bjs

Lúcia... ops, Rushia

Leandro Gonçalves disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Leandro Gonçalves disse...

Eu já não sei a fonte... mas fantástico do mesmo jeito!

E incrível como te achei procurando sei-lá-o-que na internet!

(mrbin era eu, mas há tempos deixei de usar esse pseudônimo e só agora percebi que não tinha mudado no blogger)