segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

guerra e paz

Fogos luminosos explodiam no ar, formando arcos coloridos que se espalhavam pelos céus como se subitamente estes tivessem ousado assumir o lugar das águas do mar.

Nas areias, de tudo: de Iemanjá a saltos desconcertados sobre as ondas, de garrafas que emporcalhavam a praia até resoluções irreais para reconfortar a mesmice.

O fato é que não havia nada de novo naquilo que de novo recomeçava.

Para cada fogo, para cada explosão, naquele reveillon de 2009, uma angústia inesperada se apoderava de meu peito, na medida em que a certeza de que a muitos e muitos espaços dali, fogos e explosões de verdade caiam como um inferno na terra, sob as cabeças de muitos.

Não é nada fácil encontrar algum pensamento próprio que seja seguro e isento de paixões potencialmente prejudiciais.

Nessa história lamentável do conflito bélico entre judeus israelenses e muçulmanos palestinos, que nesse exato momento ocorre sobretudo na pequena extensão de terra da Faixa de Gaza, minha impressão é que tudo - ou quase tudo - é incompreensível por um lado, um verdadeiro "diálogo de loucos", mas que é tudo também certo e esperado, por outro lado.

Difícil é a abstração da força descomunal que é a fé religiosa, exaltada pelos dois lados do conflito. Analisar a guerra atual apenas sob o ponto de vista religioso, embora ele seja importantíssimo, seria desconsiderar os demais fatores preponderantes: o político em primeiro lugar, seguido dos fatores econômicos e culturais.

Focar uma guerra como essa apenas do ponto de vista econômico e político, por sua vez, seria amplamente insuficiente diante do verdadeiro oxigênio em fogueira, que é a convicção teísta escancarada por todos os envolvidos.

Onde encontrar um ponto seguro para analisarmos a verdadeira tragédia que se manifesta numa bomba que explode em uma escola da ONU, matando crianças que não pediram para estar naquele lugar ? Onde encontrar um equilíbrio quando mísseis do Hamas, disparados a partir de instalações civis, igualmente mata israelenses do outro lado da fronteira ?

Podemos, sem sobra de dúvida, fixar um possível marco fundamental nesse conflito armado, que se deu exatamente na criação do Estado de Israel, no período pós-segunda guerra, sem que se atentasse com firmeza para o fato de que ali já era território ocupado pelos palestinos em tempos anteriores e que, retirá-los desse território para que viessem a ocupar sua periferia, seria uma estratégia inevitavelmente equivocada.

Um centro quase que exclusivamente judeu em meio a uma mar de descontentamento muçulmano seria a concretização máxima da renúncia a uma convivência pacífica e compartilhada do mesmo território, por populações com convicções diferentes. Nisso houve falha dos aliados vencedores, se não quisermos enxergar mesmo uma política claramente definida de escolha de um dos lados.

O fato é que não há mais volta - ao menos não uma volta sem sangue - e o Estado de Israel já está amplamente consolidado. Assim como os incontáveis palestinos que mais do que um povo retirado do território que ocupavam, se tornaram refugiados nas periferias da terra de onde outroram ocupavam.

O caminho da violência, fustigado pela fé religiosa de ambos os lados, nada mais faz do que expressar em balas e projéteis aquilo que deve ser mesmo insolúvel: uma fé não se compactua com a outra. Um nasce para odiar o outro.

Quem pode prever o rastro que se seguirá da atual guerra ? Se houver ainda dois lados ao final dela, quem poderá prever a carga de ódio germinada a partir do que acontece hoje aos nossos olhos ?

Como podemos escolher um dos lados, de forma segura, se cada qual se encontra imbuído da mais imbecil convicção religiosa a lhe motivar os sorrisos ao contabilizar os mortos do outro lado da fronteira ?

Se não há porto seguro, se não há lado que se possa escolher com alguma certeza, sem que essa escolha implique em reconhecer que há injustiças também pelo lado escolhido, que há vítimas e algozes em quaisquer dos lados, ainda que um lado mais do que outro, então a escolha deve ser - como já apontado por Marcos Nobre em sua coluna semanal na Folha de São Paulo - uma militância radical pela paz.

Pelo imediato cessar-fogo e trégua na absurda guerra que acontece hoje, para que com a intermediação de outros protagonistas mundiais, possa se estabelecer um patamar mínimo de negociação sem infligir baixas horríveis, sem mortes de crianças, com algum resquício de razão nessa verdadeira loucura que é esta guerra.

Voltaire - sempre ele - estava mesmo coberto de razão: as religiões seguem o binômio autoritarismo e conformismo. Quem nela está inserido deve se conformar aos ditames impostos sem questionamentos profundos. Quem nela não está inserido, deve ser excluído.

Militância radical pela paz não quer dizer discurso pacifista inconsequente e ingênuo. Mas você - eu - que não mataria qualquer um por um discurso maniqueísta, consegue dizer qual dos loucos é o menos louco ?

Um comentário:

Lúcia disse...

É... meu amigo...

Muito boa a imagem que você passou do reveillon (2008 ou 2009? nunca sei...) e da guerra, viu?

A grande verdade, creio eu, é que nada pode justificar - nem de longe - uma guerra. Não importam os motivos, políticos, sociais ou religiosos, ou tudo junto. O que traz a guerra, na verdade, é a interpretação que um grupo de importância - política, social ou religiosa, ou tudo junto - faz de tudo e, a partir daí, parte para a ignorância.

Não há lado certo, é fato. E eu, mais uma vez, vejo o Aikido como um tipo de resposta para isso... Ao menos em teoria, já que na prática nada vai mudar o que já aconteceu e o que está acontecendo. A minha militância pela paz se dá pelo Aikido.

Parabéns pelo texto. Aliás, um comentário pessoal: pude imaginar exatamente como você se sentiu quando essa idéia surgiu, bem no reveillon... Muito bom mesmo!

Bjs

Lúcia