quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Senta-se.

E suado, escreve, apaga, corrige, relê, interpreta, reescreve, ruboriza, apaga, escreve, odeia, desiste, retoma, café, suor, coceira, tiques, alonga, desiste. Abre o botão da camisa e assopra seu peito, na vã esperança de palavras lhe dominarem os dedos. Quer apenas alívio.

Num só ato contínuo, que se inicia no desespero de nada conseguir escrever que seja relevante...ou melhor... nada de relevâncias !
Algo que seja simplesmente afirmação concreta de um querer dizer que não se manifesta, algo que atravesse a constatação que sangra a obviedade de que embora uma infinidade de coisas precisem ser ditas - nada efetivamente é dito - , não vê outra envergonhada e ultrajante solução que não seja reconhecer que muitas vezes, é melhor desistir de antemão a ter de suportar o angustiante sentimento de alguém que - tal como um intestino repleto de bolo fecal dos dias passados que se contenta apenas com poucos gases borrifados no ar - quer dizer e não encontra meios para tanto.
Melhor seria ser poeta.
Poeta é escravo das palavras e um bom escravo sempre cumpre rigorosamente seu mister.

4 comentários:

Lúcia disse...

Eita, comparar a escrita com o trânsito gastrointestinal, hahahaha... Sinto dizer que o intestino nunca se contenta apenas com gases...rs...

Fernanda Francoh disse...

Alex, gosto do respiro desta tua frase "Quer apenas alívio". Percebo um grito nas tuas entrelinhas. Isso é literário e é isso o que vai dando a forma da nossa escrita: não o grito propriamente, mas a matéria viva do que somos e que aparece no grito.

Não concordo contigo sobre a condição do poeta: um poeta jamais poderia ser um escravo. Ele serve ao que há de mais livre e vive do que sente e sabe através do próprio acesso. Sofre por ver, mas se redime no poder de transcender a realidade dura.

A tua busca pelas palavras, o desespero dos dedos querendo achá-las... eis a grande angústia de quem escreve. Mas logo isso passa rs... Tem um post meu (publicado em 11.11.08) que dialoga perfeitamente com essa experiência de busca, que na verdade é mais uma experiência de saber a espera, de saber o silêncio que precede as palavras.

Eu gosto de aprofundar a concepção das coisas, das pequenas e das grandes coisas vividas.

Bem-vindo ao meu mundo!

Abração ;)

Alex P. disse...

Lúcia san

Exatamente... o desconforto era tamanho que me lembrou a angústia dos dias em que o trânsito gastrointestinal estava no limiar da explosão, mas teve de se contentar com pequenas borrifadas de gases. Terrível, não ?

O mesmo eu senti com essa angústia que é sentir, querer dizer e não conseguir. Os gases, nesse caso, são palavras perdidas em meio a uma imensa página branca.

Tudo isso é culpa da crise que tá por aí. hehe

Alex P. disse...

Dona Doida ! Prazer tê-la por aqui...

Agora terei de tentar me explicar minimamente, não ? Um poeta escravo ? Eu simpatizo com a idéia de que um poeta é uma espécie de "pintor das palavras". Enquanto determinado pintor retrata, por exemplo, a liberdade ou uma angústia, ou o amor, o ódio, com uma pincelada, esta exata pincelada é a própria liberdade, a própria angústia e assim por diante, da forma como ele a expressou.

Quando um poeta expressa seus sentimentos, seja lá quais forem, ele os expressa de maneira que muitas vezes subverte o sentido usual das palavras, cria sentidos com elas, ou muitas vezes os destrói.

Para isso, se serve das palavras. Um poeta sem as palavras não é um poeta. Não existe poeta mudo. Dessa forma, ele cria, manipula, subverte, faz o diabo, mas no fim, sem as palavras, o poeta nada é.

Nesse sentido ele é escravo. O que não é ruim, necessariamente. Não acha ?