quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Levante-se !

Convicto, caminhe em direção ao espelho mais próximo, arregale os olhos ao limite do repuxar da pele, faça isso como se quisesse rasgá-la de uma só vez, como se toda e qualquer camada que impede a visão sobre si mesmo devesse ser definitivamente exterminada.

Olhe para si sem dó e sem complacência. Não ! Não desvie o olhar do espelho: essa imagem refletida nada mais é do que tudo aquilo que se mostra e que resplandece quando se está sob a luz.

Ouse arrancar sua pele. Arranque-a com a fúria de quem arranca de si mesmo uma infindável coleção de abelhas que cobre um corpo atacado por enxame.

Não tema qualquer vexame dessa vez: seria você capaz de arrancar todos os adereços, todas as roupas, todas as tatuagens, todas as cicatrizes, todas as marcas com que se camufla o que escondemos sob um peito dilacerado ?

Desvencilhe-se de tudo e de todos. Afaste de si visões ideológicas solidamente construídas sobre quaisquer coisas. Mande à merda concepções religiosas sobre os fatos e sobre os ódios. Enxergue os amores como vãs tentativas de se subtrair a si mesmo.

Ó! Por favor ! Faça uma demolição brutal sobre tudo aquilo que carrega sobre os ombros. Nesse momento já não importa mais a sua ascendência, extermine qualquer descendência e não faça pouco caso de jogar pelos ares absolutamente tudo que lhe desvie de si mesmo.

Inspire-se levemente em Descartes: com ímpeto violento, remova não os tijolos do edifício, mas sim a própria estrutura que o sustenta, até vê-lo desabar agradavelmente perante seus olhos.

Você já não precisa mais do cartesianismo agora: aniquile-o igualmente !

Jogue no lixo quaisquer preferências: seus romances favoritos não passam de jogos de encenação sobre vidas que não existem. As músicas e os ritmos que já lhe fizeram sentido terão o mesmo destino, reminiscências que são de algo inexistente.

Acabe com qualquer orgulho sobre qualquer trabalho. Seja você burguês, comerciante, liberal, professor ou estudante. Banqueiros e bancários unir-se-ão sob a mesma bandeira. Rasguemos, pois, os diplomas e as habilitações que pesam sobre nossas cabeças outorgando-nos poderes que apenas turvam quaisquer tentativas de nos enxergarmos com alguma nitidez.

Agora, já desprovido das camadas e artifícios diversos, livre de pessoas e de pensamentos que não lhe pertencem, liberto das amizades e das paixões, com olhar límpido não hesite em se questionar:

O que lhe sobra e o que efetivamente é você quando liberto e desprovido de todas essas camadas ?

3 comentários:

Anônimo disse...

resumindo, se o mundo é uma representacao, o que é o sujeito?

Lúcia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lúcia disse...

Uma pergunta: Você acha que somos algo totalmente desprovido de todas as influências externas e internas? Eu acredito que SOMOS um eterno desenvolvimento, e que ao nos despirmos de tudo e todos, perdemos uma parte da nossa essência. Não que sejamos o que a sociedade faz de nós. Mas o exterior reflete o interior, e vice-versa. Um ser sem tudo o que criou, conquistou e se tornou continua sendo um ser, mas continua sendo um indivíduo?

Não sei se consegui me expressar, não sou tão boa com as palavras como você...rs

bjão!