domingo, 18 de maio de 2008

Aikido

Yudanshakai é o treino que reúne praticantes de uma determinada arte marcial com um nível mínimo de graduação, tempo de treinamento e experiência.

Nos yudanshakais de Aikido, realizados mensalmente na Academia Central de Kawai Shihan, há normalmente um grande número de pessoas dos mais variados tipos: mulheres e homens grandes, pequenos, fortes, altos, baixos, provenientes de outros estados brasileiros e às vezes de outros países. Idades iguais ou desiguais, superiores e inferiores.
Pessoas que já treinam Aikido há trinta ou mais anos, pessoas que treinam pelo mesmo número de anos que tenho de vida, pessoas que começaram no Aikido na idade em que a maioria já desistiu de quaisquer planos e também pessoas com muito menos anos de idade, mas com uma experiência e um conhecimento muito acima.
Jovens fortes que vêem no Aikido seus corpos se desenvolverem e seus músculos se alongarem e crescerem, contrapondo-se aos senhores que vêem seus corpos não se definharem com o passar dos anos, que perdem progressivamente a força física enquanto ganham em desenvolvimento de princípios basilares do Aikido: o relaxamento do corpo, a força da respiração, a não oposição de força e a harmonia a uma energia que pode vir em qualquer sentido.
A participação regular nos yudanshakais tem oferecido a oportunidade única de me defrontar com uma série de fatos, pessoas, sentimentos, reações e projetos.
O dogui de tecido espesso, a faixa que envolve a cintura e o hakama que confere uma certa sobriedade ao praticante de Aikido: todos eles eu ostentava hoje pela manhã, enquanto o suor escorria pelo rosto, sentindo a leve brisa quente provocada pelo corpo arremessado para múltiplas direções.
No entanto, nenhum deles pôde evitar que me sentisse, por mais uma vez, desnudado em meu ser, escancarando as fragilidades, as inseguranças e os medos que as roupas são incapazes de esconder.
As técnicas demonstradas uma a uma, cada qual envolvendo um certo nível de aparência de facilidade na sua execução, conquanto as aparências rapidamente se dissipassem na primeira tentativa de realização da mesma, na medida em que sentia os braços se apequenarem, a mente se estreitando, o peso do corpo e a máscara da facilidade se esvaindo, revelando a complexidade contida em cada movimento e em cada fração em que este pode ser reduzido.
A respiração mais curta indica, os braços tensos indicam, o olhar fugidio que não se confronta com os do parceiro igualmente indicam: não há nudez psicológica em estado mais bruto do que aquela que sinto nestas situações. Uma fragilidade tão gritante que seria de extrema insensatez não aproveitá-la para meu próprio desenvolvimento, para meu próprio benefício.
Não foi à toa que Morihei Ueshiba, fundador do Aikido, enxergou este como uma forma de "vencer a si mesmo", pois para além do domínio e da perfeição das técnicas marciais, o Aikido propicia uma chance inigualável de conhecer e tentar superar as próprias inseguranças, os medos mais secretos e, sobretudo, de nos defrontar com o "eu desnudado", que nem mesmo as mais espessas roupas podem camuflar.
Uma certa dose de auto-crítica, humildade e capacidade de observar aos outros e a si mesmo, pode nos revelar muito dessa infindável tarefa que á lapidar a si mesmo. No entanto, a percepção e a clareza das imperfeições a serem trabalhadas, é facilitada em muito quando nos encontramos rodeado de pessoas que, de bom grado e sem que possam ganhar qualquer coisa além da gratidão, nos alertam e nos propiciam a oportunidade de tentar ser alguém melhor.
Ao Aikido, a gratidão por me colocar diante de mim mesmo.
Aos amigos, a gratidão e a felicidade de nos encontrarmos juntos, cada qual em sua luta.

6 comentários:

Lúcia disse...

Arekusu san

Nada mais verdadeiro... Aikido é vencer a si mesmo, a cada instante. É se perceber, reparar cada detalhe do corpo, físico e espiritual, e aos poucos aprender como moldá-lo de acordo com a situação... Aikido é melhorar, é evoluir sempre!

Os treinos são sempre uma oportunidade de conhecer também os outros, aprender a 'afinar' a percepção... Nos yudanshakais, isso é ainda mais evidente. As expressões faciais e corporais, os cheiros, tudo muda, tudo se movimenta!

Às vezes a gente acorda com aquela preguicinha, afinal, domingo de manhã, né... Mas o shugyo é recompensado. E, mais uma vez, no tatame só vemos sorrisos e dentes, né?

Este domingo o treino foi muito bom, como sempre. Que bom que você estava por lá!

Texto lindo, como sempre, você consegue traduzir emoções e sentimentos em palavras! Parabéns!

Beijos

Lúcia

Vanessa Ferreira disse...

Grata pelo post! Menino!

Aproveitando o ensejo, quero lhe pedir emprestado aquele filme (do cara p... de gravata) para eu poder comentar lá.

ah escreva mais sobre dramas, tristeza e desilusões eu me identifico mais.

Vou rezar para "santa" para ver se você atende a esse meu pedido.

Lúcia disse...

Ah, antes que me esqueça, um último comentário sobre este texto, ou melhor, seu conteúdo: o Aikido é assim, revelador, DENTRO E FORA do tatame... É difícil sim, enxergá-lo do lado de fora... Mas está lá! Tenho vários exemplos, e você?

Alex P. disse...

Rushia san

Não sei se compreendi bem sua colocação. Quando você fala "fora", refere-se ao conteúdo revelador do Aikido, quando aplicado em situações de nossa vida e conflitos cotidianos ?

Se for isso, já presenciei algumas vezes e já pude, em raras ocasiões, "aplicar" o Aikido.

Na verdade, isso tem se mostrado muito mais difícil do que parece. Ainda não sei o ponto ideal entre uma renúncia a um conflito e uma submissão ao outro...

Mas como disse acima, não sei se você quis dizer isso exatamente...

:-)

Alex P. disse...

Vanessa:
"ah escreva mais sobre dramas, tristeza e desilusões eu me identifico mais."

Escrevo ! Desde que depois você não reclame que sou sombrio demais.
haha...

Lúcia disse...

Quando digo "fora do tatame" refiro-me a situações do cotidiano também. Contudo, também me refiro àquela aplicação mais interior, mais profunda. Creio que Aikido é não apenas um modo de interagir com o mundo exterior, mas também com o interior. A maneira de pensar... Saber levar uma discussão de modo a não ferir nenhum dos lados, é uma aplicação exterior. Mas não deixar-se ofender é uma aplicação interior. Pensando no seu outro texto, não demonstrar sofrimento com excessos corporais, por exemplo, é uma aplicação exterior, mas ter de fato serenidade no sofrimento, interior. A aplicação exterior é mais evidente. A interior, porém, é fácil de compreender, sim, muito mais difícil e complexa... Pois exige uma compreensão muito mais delicada e... profunda (estou com falta de novas palavras...) do espírito do Aikido.

Externamente, venho conseguindo com algum sucesso mudar certas atitudes que antes me seriam naturais. Porém, pude poucas vezes aplicar a Arte internamente... Raras. Minha busca é essa. O "vencer e si mesmo" para mim é isso!

Lúcia