quarta-feira, 9 de abril de 2008

pequena nota sobre a relação entre náusea e angústia em Sartre

Na filosofia e na literatura sartriana, as figuras da náusea e angústia possuem sentidos diferenciados, não sendo necessário recorrer diretamente a Heidegger para buscar uma certa compreensão sobre esses dois pontos em Sartre.

A náusea é uma figura literária criada por Sartre para expressar o fenômeno filosófico da contingência ou facticidade da existência, ou seja, de que não existe uma razão, um sentido "a priori", para explicar a existência de qualquer coisa que seja. Se estamos hoje aqui, vivendo essa vida e não outra qualquer, isso não passa de uma contingência da qual não participamos minimamente ao nascer. Simplesmente nascemos.

Em relação às coisas, o mesmo fenômeno da gratuidade e da falta de sentido ocorre, com o acréscimo de que as coisas, os objetos, são entes em-si, acabados e totalizados, que prescindem de qualquer outra compreensão. Os objetos e as coisas não precisam da consciência para serem qualquer coisa, eles simplesmente o são. E o são por pura contingência.

Essa compreensão da contingência da existência humana e das coisas é definida por Sartre po meio da expressão literária náusea, bastando para isso nos lembrar das passagens do romance "A Náusea" em que Roquentin por diversas vezes se vê horrorizado com as experiências mais cruas: a árvore e sua raiz no parque, sua imagem perante o espelho etc....

Já o conceito de angústia remete às consequências da liberdade irrestrita do homem. Se o homem é completamente livre e plenamente responsável por sua vida, se apenas ele é responsável por ser aquilo que é, então a todo momento as escolhas que faz definem não apenas a si próprio, mas para Sartre, as escolhas vinculam a todo os outros homens.

Ao escolher, o homem vincula a si mesmo e a toda a humanidade. Um exemplo clássico em Sartre: um jovem com a mãe doente e sozinha está em dúvida se deve se juntar aos resistentes para derrotar o nazismo, sendo que isso significa abandonar a mãe que, sozinha, certamente falecerá.

O que ele deveria escolher ? O amor pela mãe e renunciar à luta ? Ou escolher a luta e renunciar ao amor pela mãe ? Tal situação demonstra de forma bem clara o sentido da "maldição" da liberdade humana. Qual critério adotar em uma situação como essa ? Qual tábua de valores ele deveria se utilizar para responder a tal questão ?

Em primeira e última análise, o homem está só, deve fazer uma escolha da qual não há resposta ou caminho a ser seguido, e ao fazer essa escolha, seja ela qual for, estará vinculando com seu ato não apenas a si próprio, mas a toda a humanidade. Qualquer escolha que fizer mostrará aos outros homens como "o homem deve ser".

Essa constatação da responsabilidade sobre si mesmo, e que ao se escolher, o homem escolhe a todos os outros homens, gera o que Sartre definiu como angústia, consequência natural da liberdade humana.

Estabelecidos minimamente os caracteres gerais das duas figuras, é possível traçar uma singela relação entre náusea e angústia.

Ao se dar conta da contingência das coisas, da completude dos objetos em-si, e da total incompletude das homem (um ente "para-si"), este se dá conta de que a completude da qual não irá gozar nunca (o homem jamais será um ente com fundamento em si mesmo), está evidenciada pelas inúmeras escolhas que precisará fazer em sua vida, e ao escolher a qualquer coisa, como acima dito, escolhe não apenas a si mesmo mas a toda a humanidade, gerando o sentimento de angústia.

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