quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Barack Hussein Obama

Então tá ! Animais políticos que somos, vivendo na cidade (e não na polis) , rendo-me ao fato mais importante da semana e, talvez, dos últimos tempos.
Passadas algumas horas da euforia provocada pela vitória de Barack Obama ao cargo de presidente dos Estados Unidos da América, não resisto a um esboço de breve análise.
É fato de importância histórica inegável que um negro, pouco mais de quarenta anos depois das lutas de emancipação e pelos direitos civis nos EUA, tenha alcançado o mais alto posto político do país e, em escala global, dado o poder econômico, cultural, político e militar, o equivalente hodierno a um Cesar.
Mas também é fato que, paralelo a essa constatação, a sociedade norte-americana permanece inegavelmente racista: assim como no Brasil, a grande maioria da população carcerária é de negros, sendo que lá, ao contrário daqui, os negros são minoria na totalidade da população.
É sabido que muitos têm rotulado Barack Obama como um presidente "pós-racial", fruto de uma época em que a raça não teria peso importante, não sendo mais parâmetro para aferição de competências de um homem político.
No entanto, é igualmente sabido que a extrema maioria dos negros norte-americanos votaram em Obama. Não só negros, evidentemente, mas se um candidato mobilizou o povo negro dos EUA, foi Obama. Além do mais, quem assistiu a algumas imagens das horas seguintes à vitória democrata, pôde constatar os incontáveis rostos banhados em lágrimas. Todos eles de negros !
Ainda sobre o curioso e obscuro fenômeno chamado de pós-racial, sabe-se que durante toda a longa campanha do candidato Obama, evitou-se ao máximo o pronunciamento público de negros conhecidos, em apoio à sua candidatura, pois temia-se enormemente a vinculação oficial de Obama como o candidato dos negros. Visava-se, assim, ao voto dos brancos norte-americanos.
Ou você viu alguma manifestação pública de apoio - durante a campanha - por pessoas com largo poder de influência na mídia, tais como atores e atrizes negros de Hollywood, músicos (especialmente os rappers), esportistas e afins ?
Lembremos que durante a campanha para derrotar George W. Bush em sua reeleição, em 2004, diversos roqueiros - brancos - se uniram em shows que atravessaram os EUA (Rock for Vote), para pedirem que os jovens - brancos - saíssem de casa para votar em John Kerry, então candidato democrata. Será que o povinho do rock, à época, preocupou-se em não vincular Kerry a uma escolha dos brancos ? Evidente que não ! Um branco vencer a eleição para presidente é fato comezinho.
Chama a atenção também o caráter messiânico com que se temperou a reação pública - não só norte-americana, mas global - em razão da vitória de Obama. Yes, we can ! se repetiu infinitamente em quase todos os países do mundo, a ponto de minha mãe repetir o bordão enquanto acariciava a cebola com sua faca.
Também nesse ponto não há exatamente uma novidade. Quem se recorda da vitória de Lula, em sua primeira eleição, experimentou - com as devidas mudanças - sensação semelhante. Há uma descarga natural de sonhos, expectativas e projeções direcionada ao símbolo do poder mundial: o presidente dos EUA. Quando esse se mostra, ainda, sob a pele de homem democrático (multilateral, como dizem os jornais hoje), equilibrado, ponderado e advindo de uma minoria, então o fenômeno é razoavelmente compreendido.
No entanto, não nos enganemos. O perfil sedutor e magnético esbanjado por Obama tem muito do mais simples contraponto que o mesmo representa em relação ao velho, ao desgastado e ao atualmente odiado George W. Bush. Oito anos de Bush - que conseguiu ser mais odiado no mundo inteiro do que o próprio Bin Laden - facilitaram a exploração desse perfil por Obama.
Política não se faz em discursos. Assim como em tudo, são os atos que definirão o perfil e o estilo de Obama. É em meio a uma provocação de algum país qualquer, a um atentado com bombas, na imposição de democracias a países que não a solicitaram, é ao ponderar questões cruciais que simbolizam o ódio mundial aos EUA, tais como o uso da tortura como método oficial de investigação pela CIA, as prisões em Abu Ghraib e em território cubano, o próprio bloqueio comercial de décadas a Cuba, a política bélica sem limites, o total desmantelamenteo do papel político da ONU provocado pelo conceito de guerra preventiva adotada por Washington, o desprezo pelos temas ambientais, entre tantos outros.
É nesse contexto e em tais assuntos que se afirmará o real perfil de Obama, sendo que até lá viveremos - ou viverão, se me for permitida alguma dose de lucidez - um verdadeiro conto de fadas, tendo como elementos essenciais o homem visto como um Messias e um povo branco expiado parcialmente de sua culpa racista.
Mas, no fim das contas, sempre vale um sábio lembrete: um presidente dos EUA é, sempre, um eterno filho da puta.
É condição sine qua non para o cargo.

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